Café puxa café, claro. Com o café, vêm as noites longas. Com as noites longas, as séries. Às tantas, junta-se o sono ao cansaço e começa-se a ver a dobrar. A triplicar. A quadruplicar. Porém, esta alucinação coletiva tem nome: Tatiana Maslany. É ela que dá vida a todos os clones de Orphan Black. A série está agora na última season e todos os clones são poucos para matar as saudades pré-anunciadas.
Mas porque estou eu a escrever sobre Orphan Black? Talvez porque, olhando para todas as séries que já vi, esta era aquela que gostava de ter escrito. Ou aquela que me inspira a dizer “um dia quero escrever o argumento de uma série assim”. Sobretudo por três ‘ingredientes’ principais.
1. O tema, claro.
Não que sci-fi seja a minha praia, mas há algo de especial na forma como o tema da clonagem (e da evolução humana) é integrado ao longo da série. Tudo foi pensado em todo o pormenor para que a série chegue agora ao seu fim. Não porque a (falta de) audiência assim o tenha ditado, mas porque sempre foi esta a intenção dos criadores John Fawcett e Graeme Manson: um arco narrativo de cinco seasons, com princípio, meio e fim. Era tão bom que mais séries seguissem este exemplo.
2. Sisterhood – ou como o coletivo nos diz tanto como o individual.
"Just one. I'm a few. No family, too. Who am I?”. A frase enigmática é um dos motes iniciais de Orphan Black e espelha bem a complexa personagem colectiva que se desenrola ao longo do tempo. Sarah Manning é a protagonista clara, mas toda a teia de clones à sua imagem revelam que Orphan Black será sempre um jogo entre o individual e o coletivo, como também o é entre a biologia (os genes que partilham[os]) e a cultura (o ambiente que nos forja).
Ou seja, o laço entre ‘irmãs-clones’ é motor da série. Tanto a nível afetivo do argumento, gerando empatia com os espectadores, como a nível funcional para a própria premissa da série (o que separa um clone de qualquer outra pessoa? O que pesa mais em quem nos tornamos: o ADN ou o sítio onde nascemos?). Sarah, Cosima, Alison, Rachel, Helena, MK, Beth, Krystal, Katya, Jennifer… todas tão diferentes, todas tão ligadas umas às outras.
É uma sisterhood que dá âncora a Orphan Black – e não um brotherhood (apesar do Project Castor). Mulheres. Mulheres numa série de ficção científica. Mulheres que são mostradas não como objectos sexuais nem como dependentes de um herói. Mulheres que são heroínas acidentais delas próprias e das suas irmãs, da sua família. Mulheres que são cientistas, empresárias, atletas ou mães suburbanas – ou quiçá tudo numa só, porque o ADN é sempre idêntico. Mulheres para quem não há limites.
3. Tatiana Maslany.
Tudo o que Orphan Black concretiza só é possível porque Tatiana Maslany existe. John Fawcett e Graeme Manson sonharam. Tatiana tornou real. A atriz dá uma masterclass de representação em cada episódio. Começa na transfiguração pelas diferentes personagens (ninguém se lembra que são interpretadas pela mesma pessoa, nem a própria mãe de Tatiana), continua nos diálogos entre os vários clones (logo, entre Tatiana e Tatiana) para terminar nas míticas cenas em que um clone se faz passar por outro (Tatiana A, a representar Tatiana B, que se quer fazer passar por Tatiana C). Sim, tudo isto acontece. Tudo isto é genial.
A explicação vai longa, pelo que o melhor é seguirem diretos para os episódios. Ainda vão a tempo de apanhar as primeiras seasons e despedirem-se com todo o Clone Club (nome com que se auto-dominam os fãs da série) de Orphan Black.
[Levem café. A maratona vai ser longa e exige atenção a cada detalhe.]
Tenho uma vaga ideia da inauguração do primeiro IKEA em Portugal. Uma promoção qualquer em que era preciso passar a noite na loja, em camas IKEA claro, para ganhar qualquer coisa. O ano era 2004 e o ridículo da coisa ainda está claramente presente nas minhas memórias. Foi preciso mais um par de anos até que eu pusesse os pés nessa loja – ainda com os meus pais, para comprar uma estante de DVDs. Um móvel ali, outro móvel acolá. Tudo coisas esporádicas, embebidas no espírito do “oh é tão engraçado fazer isto” quando se chegava a casa com 20 tábuas, um saco de parafusos e um livro de instruções.
Tudo muito engraçado, até ao momento em que me vejo envolvida numa mudança de casa a sério. É um pouco como o miúdo futebolista amador que é contratado para jogar num clube da segunda divisão. A diversão passa a ser coisa séria – e damos por nós a pensar “como é que eu alguma vez achei isto divertido?”. No caso do IKEA, é passar de Bjursta a Besta (sim, estou na fase em que faço trocadilhos com marcas de móveis. É grave).
Olho para móveis do tempo dos meus pais e penso: como é que deixámos de comprar móveis de quatro tábuas (e um número razoável de parafusos) para termos como paradigma um cubo de Rubik em forma de móvel sueco? Vendemos a alma a designers de produto diabólicos, que certamente instalam câmaras microscópias numa das 1001 tábuas de contraplacado… só para terem vislumbres do desespero de quem tenta montar um móvel e ainda vai no passo 95, a meio do livro de instruções.
Ainda tenho uma casa repleta de caixas de cartão, parafusos e ferramentas espalhadas pelo chão. Contudo, mesmo inacabada, a experiência já me permitiu descobrir...
...cinco verdades inabaláveis sobre o mundo IKEA
1. Dar sempre uma olhadela geral ao livro de instruções antes de começar a tentar resolver o cubo de Rubik montar o móvel muito fofinho. O livro todo. Da primeira à última página. Isso vai evitar-vos pesadelos como: “estou a montar esta estante pequena no corredor estreito, mas cheguei ao passo 56 e descobri que afinal há um mecanismo XPTO que precisa de um espaço amplo para ser corretamente encaixado” (– já foste!) ou “não quero furar paredes e a 3ª instrução a contar do fim obriga-me a prender o móvel à parede para que tudo funcione” (– já foste, parte II!).
2. Pensar sempre o pior. Não, nunca vai ser um instantinho ou facílimo. Nunca vai ficar pronto num instante. Baixem as vossas expectativas e reservem um dia inteiro na agenda para instalar uma prateleira. Nunca menosprezem os designers suecos. Até podem demorar apenas cinco minutos na tarefa, mas o melhor é contarem sempre com um filme de horror de 100 parafusos.
3. Nunca tentem perceber o sentido das instruções intermédias. Estão meio confusos sobre a necessidade de colocar aquela tábula de 5 centímetros num ângulo de 47 graus, com três pinocos de madeira que não sabem onde vão encaixar? Não faz mal, não questionem os deuses suecos do mobiliário. Tudo vai fazer sentido no final e todos os fins justificam os meios. O mesmo é válido para aquele parafuso que não conseguimos apertar onde era suposto e que optámos por fingir que nunca existiu. Quando o móvel estiver terminado, vamos perceber exactamente a falta que aquele parafuso faz. E não vai ser bonito.
4. Chamem amigos para ajudar. Vão detestar-vos para o resto da vida – é certo –, mas ao menos passarão bons momentos (e algumas lágrimas) entre a chave de parafusos e o alicate. E sempre podem acabar o dia com um jantar na mesa meio-montada, meio-desfeita que não conseguiram acabar.
5. Guardem um diário de bordo e registem todos os momentos de desespero, loucura e choro convulsivo, sem paninhos quentes. Isto porque a memória é fraca e o móvel vai ficar lindo. Assim que terminarem a montagem, irão sentir um orgulho desmedido por completarem aquela tarefa hercúlea. Nos dias seguintes, vão testar alegremente a carga que o móvel aguenta e limpar as lágrimas de alegria que escorrem pelo vosso rosto. Nos meses seguintes, o móvel vai ser mostrado, com vaidade, a amigos e família (sobretudo àqueles que duvidaram das vossas capacidades de bricolage). E começará então o bichinho de um novo móvel: “E se comprasse aquela cómoda Brimnes? Afinal, foi tão fácil da outra vez… montei tudo num instantinho…”. Zás! Este é o momento em que deves ir buscar o diário de bordo para um choque de realidade. Já te deixaste de delírios?
Na minha inocência, achei que “Proud Mary” era propriedade indiscutível de Tina Turner. Perdoa-me que fui uma criança dos anos 80 e não dos anos 60 – e uma criança que nasce no meio de tanta permanente tem muita laca a contaminar-lhe o cérebro.
Aprendi quem eram os Creedence Clearwater Revival graças a ti. E hoje, em vésperas da tua ida para o hospital, prescindo das palavras a que sempre recorro (eternas confidentes) e volto-me para a música. Vê lá se voltas depressa, pai, para o “Proud Mary” passar na coluna. E não deixes a miúda dos anos 80 preocupada muito tempo, combinado?