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Em banho café

11.Jul.17

Jornalista sem data de validade

O melhor desta profissão são as pessoas. Dei por mim a repetir isto tantas vezes, de sorriso tonto – embevecido – no rosto, ao longo dos anos. Gosto de fazer perguntas. Mas, sobretudo, gosto das respostas, de ouvir cada palavra. E, naquele momento em que a confiança ultrapassa a barreira de defesa, gosto das frases francas e com cheiro a alma.

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O melhor desta vida são as pessoas. É a isto que me agarro agora. Lembro-me da Dona Esmeralda, que me recebeu este fim-de-semana em Monsaraz e, no meio dos afazeres do hotel, me ia dando a conhecer vislumbres da sua vida. Danada da mulher, sempre com resposta na ponta da língua, timbrada naquele cante falado alentejano. Fiz-lhe perguntas sem ter uma história em mente – não há artigos à tua espera numa página de revista, porque continuas a fazer perguntas, Marisa? Mas as palavras teimam em brotar e a história desenrola-se na minha mente. Deviam ter-nos avisado, naquele primeiro ano de Faculdade, que o ‘bichinho’ nos corrói o cérebro para sempre.

 

O melhor do jornalismo foram as pessoas. As entrevistas bem conseguidas. Os meios antes de chegar aos ‘fins’. O nervosismo antes das ‘grandes’, a autenticidade emocionante das ‘pequenas’. O ver o mundo pelos olhos dos outros….e a responsabilidade de não trair esse mundo pelas nossas palavras. O perigo da citação é grande e o seu uso requer tanta ponderação.

 

O melhor… foram. Passado. A minha carteira profissional de jornalista expirou em junho. Foi apenas um ponto final formal numa relação presa pelos arames. É um adeus que custa, que arde a alma e que leva consigo os sonhos de uma catraia que queria contar o mundo. Esperemos pelos novos desafios.

 

As pessoas, essas, levo-as sempre comigo. As que me contaram as suas histórias, as que desabafaram, as que choraram e as que sonharam para o meu bloco de notas. Sonhos. “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, escrevia Fernando Pessoa Álvaro de Campos. O que serão os meus sonhos sem o carimbo de “jornalista” e o gravador na bagagem? A miúda de 20 anos choraria perante a pergunta, eu encolho os ombros e sorrio. Neste fim-de-semana de despedida à profissão, a Dona Esmeralda mostrou-me mais do que algum dia lhe poderei explicar. As pessoas ficarão sempre. E as histórias. Há tantas histórias por encontrar, contar e recontar. Caduquem-se as carteiras de jornalistas, ficam as perguntas. Ficam as mãos que devaneiam a redigir letras. Fico eu. Ficam as pessoas. O melhor desta profissão. O melhor desta vida.