Passei por um apocalipse IKEA e sobrevivi
Tenho uma vaga ideia da inauguração do primeiro IKEA em Portugal. Uma promoção qualquer em que era preciso passar a noite na loja, em camas IKEA claro, para ganhar qualquer coisa. O ano era 2004 e o ridículo da coisa ainda está claramente presente nas minhas memórias. Foi preciso mais um par de anos até que eu pusesse os pés nessa loja – ainda com os meus pais, para comprar uma estante de DVDs. Um móvel ali, outro móvel acolá. Tudo coisas esporádicas, embebidas no espírito do “oh é tão engraçado fazer isto” quando se chegava a casa com 20 tábuas, um saco de parafusos e um livro de instruções.
Tudo muito engraçado, até ao momento em que me vejo envolvida numa mudança de casa a sério. É um pouco como o miúdo futebolista amador que é contratado para jogar num clube da segunda divisão. A diversão passa a ser coisa séria – e damos por nós a pensar “como é que eu alguma vez achei isto divertido?”. No caso do IKEA, é passar de Bjursta a Besta (sim, estou na fase em que faço trocadilhos com marcas de móveis. É grave).
Olho para móveis do tempo dos meus pais e penso: como é que deixámos de comprar móveis de quatro tábuas (e um número razoável de parafusos) para termos como paradigma um cubo de Rubik em forma de móvel sueco? Vendemos a alma a designers de produto diabólicos, que certamente instalam câmaras microscópias numa das 1001 tábuas de contraplacado… só para terem vislumbres do desespero de quem tenta montar um móvel e ainda vai no passo 95, a meio do livro de instruções.
Ainda tenho uma casa repleta de caixas de cartão, parafusos e ferramentas espalhadas pelo chão. Contudo, mesmo inacabada, a experiência já me permitiu descobrir...
...cinco verdades inabaláveis sobre o mundo IKEA
1. Dar sempre uma olhadela geral ao livro de instruções antes de começar a tentar resolver o cubo de Rubik montar o móvel muito fofinho. O livro todo. Da primeira à última página. Isso vai evitar-vos pesadelos como: “estou a montar esta estante pequena no corredor estreito, mas cheguei ao passo 56 e descobri que afinal há um mecanismo XPTO que precisa de um espaço amplo para ser corretamente encaixado” (– já foste!) ou “não quero furar paredes e a 3ª instrução a contar do fim obriga-me a prender o móvel à parede para que tudo funcione” (– já foste, parte II!).
2. Pensar sempre o pior. Não, nunca vai ser um instantinho ou facílimo. Nunca vai ficar pronto num instante. Baixem as vossas expectativas e reservem um dia inteiro na agenda para instalar uma prateleira. Nunca menosprezem os designers suecos. Até podem demorar apenas cinco minutos na tarefa, mas o melhor é contarem sempre com um filme de horror de 100 parafusos.
Créditos: biasedcat.com
3. Nunca tentem perceber o sentido das instruções intermédias. Estão meio confusos sobre a necessidade de colocar aquela tábula de 5 centímetros num ângulo de 47 graus, com três pinocos de madeira que não sabem onde vão encaixar? Não faz mal, não questionem os deuses suecos do mobiliário. Tudo vai fazer sentido no final e todos os fins justificam os meios. O mesmo é válido para aquele parafuso que não conseguimos apertar onde era suposto e que optámos por fingir que nunca existiu. Quando o móvel estiver terminado, vamos perceber exactamente a falta que aquele parafuso faz. E não vai ser bonito.
4. Chamem amigos para ajudar. Vão detestar-vos para o resto da vida – é certo –, mas ao menos passarão bons momentos (e algumas lágrimas) entre a chave de parafusos e o alicate. E sempre podem acabar o dia com um jantar na mesa meio-montada, meio-desfeita que não conseguiram acabar.
5. Guardem um diário de bordo e registem todos os momentos de desespero, loucura e choro convulsivo, sem paninhos quentes. Isto porque a memória é fraca e o móvel vai ficar lindo. Assim que terminarem a montagem, irão sentir um orgulho desmedido por completarem aquela tarefa hercúlea. Nos dias seguintes, vão testar alegremente a carga que o móvel aguenta e limpar as lágrimas de alegria que escorrem pelo vosso rosto. Nos meses seguintes, o móvel vai ser mostrado, com vaidade, a amigos e família (sobretudo àqueles que duvidaram das vossas capacidades de bricolage). E começará então o bichinho de um novo móvel: “E se comprasse aquela cómoda Brimnes? Afinal, foi tão fácil da outra vez… montei tudo num instantinho…”. Zás! Este é o momento em que deves ir buscar o diário de bordo para um choque de realidade. Já te deixaste de delírios?