Um dia as palavras morreram
A boa filha à casa torna. Passou um ano, quatro meses e 18 dias desde que parei por estas andanças do Em Banho Café. Sem vergonha, porque os abrigos das letras servem para as ocasiões e não seguem as cadências do relógio, do calendário ou da agenda. O tempo passa e os abrigos das letras permanecem, à espera do convite informal: “olha, sei que não falávamos há uns tempos, queres ir tomar café?”. E lá aparecem, disponíveis e imutáveis, à espera de ouvir o que contam os nossos contos e desabafos.
Hoje saiu-me isto. E retomei o contacto. O “Em Banho Café” cá estava, à minha espera.
Um dia as palavras morreram.
Organizaram-se vigílias, depositaram-se flores embebidas em tinta de caneta.
Preparam-se missas silenciosas e condolências sentidas,
Emudecidas no verbo.
Ocas na voz.
Um dia as palavras morreram.
Enfranzinaram-se, mirraram, embruteceram. Consta que implodiram.
Oxidaram sílabas e dissolveram ditongos,
Enlearam o disfemismo no eufemismo.
E o figurativo corroeu-se no real.
Um dia as palavras morreram
E o texto, que tinha virado frase, que tinha virado letra, virou pó.
E o pó esterilizou o mundo.
Um dia as palavras morreram.
À falta de oxigénio, sufocaram no meu peito. Extintas.
À falta de coragem, desistiram. Vãs.
Um dia as palavras morreram, ponto final.
*Estava prestes a publicar este post quando li a notícia da morte do Terry Jones, dos Monty Python. Não consigo pensar em nada mais cruel para um génio criativo das palavras do que sofrer de uma demência que o impede de falar e compreender a linguagem; do que perceber que realmente "as palavras morreram". As tuas palavras vão fazer-nos muita falta, Terry. Obrigada por teres feito o mundo mais feliz.